A chegada do Imposto sobre Bens e Serviços, conhecido pela sigla IBS, está no centro das discussões da reforma tributária e, inevitavelmente, vem causando inúmeras incertezas – e também expectativas – no setor contábil brasileiro. Nós, do universo da contabilidade, estamos diante de uma transformação que reorganiza profundamente a legislação aplicável à circulação de mercadorias, prestação de serviços e exploração de direitos, tangíveis e intangíveis.
Simplificar não é apenas somar, é mudar o jogo.
Nossa experiência diária comprova que mudanças tributárias mexem com as rotinas de quem faz a apuração fiscal, controla obrigações acessórias e mantém o relacionamento com os clientes. Por isso, queremos compartilhar nosso olhar sobre as novidades envolvendo o IBS, sempre conectando prós, contras e pontos de atenção para contadores.
Entendendo o IBS para contabilidade: conceito, origem e impacto
No coração da reforma tributária propagada pelo Projeto de Emenda Constitucional (PEC) 45/19, o IBS surge como protagonista. Falamos de um tributo criado para unificar a cobrança dos atuais impostos sobre consumo: ISS, ICMS, PIS, COFINS e, em parte, IPI. Essa simplificação, pelo menos no papel, tende a resolver parte da fragmentação do sistema tributário que hoje é majoritariamente de responsabilidade de estados e municípios.
O IBS incidirá sobre praticamente tudo o que movimenta valor: venda de mercadorias, prestação de serviços, exploração de direitos, locação e até atividades que envolvam ativos digitais. Em vez de múltiplas guias e critérios divergentes, a nova regra prevê um portal único de arrecadação, sob gestão do Conselho Federativo do IBS, órgão nacional responsável por distribuir a arrecadação entre os entes federativos, segundo apresentação oficial do Ministério da Fazenda detalha o funcionamento deste conselho e suas regras de distribuição automática.
No setor de contabilidade, isso significa rever procedimentos, atualizar sistemas e, sobretudo, adequar as assessorias para garantir segurança jurídica aos clientes durante a transição.
Como a mudança impacta prestadores de serviços e circulação de mercadorias
Até o momento, a diferenciação clássica entre tributação sobre serviços (ISS, municipal) e sobre mercadorias (ICMS, estadual) orientava diversas rotinas contábeis. Com o IBS, essa barreira se dissolve, exigindo novos cuidados na classificação fiscal e no acompanhamento das operações de cada cliente.
- Prestadores de serviços: Os impactos envolvem tanto entendimento sobre novas alíquotas como adaptação no cálculo e recolhimento dos tributos, com atenção para contratos em vigor e obrigações acessórias que sofrerão interferências substanciais.
- Circulação de mercadorias: Cadeias de distribuição, preços, classificação de itens e definição do local de incidência passam a ter normas uniformes, mas também riscos de erros por interpretação da nova legislação.
Na prática, as empresas (e seus contadores) precisarão ajustar não só parametrizações de ERP, mas também rotinas de conferência, preenchimento de obrigações fiscais e estruturas de cobrança. “O simples mudou de roupa”, já escutamos de colegas nos últimos treinamentos internos.
O que preocupa o varejo de moda e setores específicos
O setor de varejo de moda tem expressado preocupação com o modelo nacional do Imposto sobre Bens e Serviços, especialmente pela possibilidade de aumento da carga tributária média e pelo risco de distanciamento entre o valor agregado e o novo cálculo da alíquota.
- Tema em debate contínuo é a definição das alíquotas por segmentos, visto que o regime anterior favorecia parte dos setores com benefícios e regimes especiais.
- Mudanças podem gerar onerações em setores com margem reduzida, como vestuário.
- Questões práticas sobre cálculo, repasse para o consumidor e impacto no preço final precisam de soluções claras.
O novo imposto mexe nas raízes de cada setor.
Ao lado de todas essas dúvidas, outros debates permanentes ocupam o espaço: o possível aumento da tributação, a preocupação sobre a autonomia de estados e municípios e a discussão em torno da imunidade de entidades religiosas.
Preocupações dos contadores e adaptações para a era do IBS
Sabemos bem: mudanças tributárias transformam mais do que o cenário legal, bagunçam rotinas e exigem novas competências. Recentemente, vimos que 47,7% dos contadores se sentem preocupados com a elevação de carga e a complexidade do novo sistema. Apenas 40,8% enxergam a simplificação como positivo, reflexo do receio de mudanças profundas sem garantias de simplificação real para as rotinas da contabilidade.
- Treinamentos e cursos – inclusive com certificação, já disponíveis no mercado – se tornam indispensáveis para acompanhamento das novidades.
- Rotina de estudos torna-se constante, com grupos em redes sociais e reuniões semanais, buscando dúvidas e compartilhando soluções práticas.
- A atualização de cadastros, parametrizações sistêmicas e conferência de operações passará a demandar acompanhamento muito mais próximo dos clientes.
Atualização contínua virou necessidade básica para a contabilidade.
Riscos de judicialização, regime do Simples e o desafio das bases de cálculo
Uma questão que nos chama atenção e tem gerado debates calorosos é a inclusão do Imposto sobre Bens e Serviços e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) na base do ICMS. Temos observado preocupação real com o risco de judicialização dessa inclusão e impacto no recolhimento do imposto estadual.
No caso do Simples Nacional, há pontos sensíveis: a tendência aponta para o aumento da alíquota efetiva e a perda de competitividade perante empresas optantes pelo novo modelo, situação que pode afetar pequenas empresas, que hoje representam 67,4% dos escritórios de contabilidade brasileiros com até 20 funcionários, conforme pesquisa recente publicada em junho de 2024.
Estudo recente da FGV, inclusivo, mostra que a carga efetiva de tributos para setores como o saneamento pode chegar a incríveis 16,84% em 2033, ao passo que o aumento gradual já se nota entre 2027 e 2032 conforme análise da FGV.
Split payment, novidades do SPED e obrigações para contabilidade
Outra transformação aguardada pelos profissionais de contabilidade é o modelo de split payment, mecanismo que propõe separar o pagamento do imposto do restante da nota fiscal já no ato da operação. Isso exigirá adequações drásticas nos sistemas das empresas, demandando integração em tempo real entre o faturamento e os sistemas bancários.
Sobre o ambiente digital de escrituração, destacamos que a nova versão do SPED já contempla ajustes preparados para a reforma tributária. A correta classificação fiscal dos produtos e serviços será indispensável – prioritária mesmo – para evitar autuações e garantir segurança nas informações transmitidas, principalmente considerando o surgimento do IBS e da CBS.
Os auditores e tributaristas estão em alerta, pois as obrigações de preenchimento das novas guias do IBS e CBS passarão a ser obrigatórias já a partir de novembro. Aqui, citamos também as últimas orientações da Receita Federal envolvendo EFD ICMS/IPI, que reforçam: cada dado transmitido deverá dialogar diretamente com as operações reais e todos os cruzamentos eletrônicos ficarão ainda mais minuciosos.
Investimentos, regime de transição e impacto na contabilidade em 2026
Para a contabilidade e para as empresas, o ano de 2026 já está no radar: será preciso realizar grandes investimentos em tecnologia, treinamento e processos para garantir que o sistema tributário esteja devidamente integrado ao sistema financeiro.
Análise recente do Ibracon indica que haverá um período de transição de quatro anos, de 2029 a 2032, com redução gradual do ICMS e ISS e aumento progressivo do IBS, até a extinção dos tributos antigos em 2033. A proporção para o novo imposto crescerá ano após ano (10% em 2029, 20% em 2030, 30% em 2031 e 40% em 2032), alterando profundamente não só os fluxos de caixa das empresas, como o planejamento tributário, segundo análise do Ibracon sobre as etapas de implantação.
Para o transporte de cargas, um ponto que poucos têm falado, mas sentimos ser vital, é que a incidência unificada eliminaria múltiplos pontos de cobrança em cada posto fiscal estadual – algo que representa alívio para a logística, mas também aumenta a responsabilidade fiscal do contador na classificação correta da operação.
O impacto será sentido no detalhe de cada nota.
Para contadores: dicas práticas diante das novas regras do IBS
Acompanhar lançamentos do SPED: Não basta apenas atualizar sistemas, é preciso revisar frequentemente a legislação para identificar ajustes obrigatórios e evitar inconsistências.- Reforçar a classificação fiscal: A correta identificação do tipo de operação será fundamental para evitar autuações, principalmente no cenário híbrido da transição, no qual regras antigas e novas convivem lado a lado.
- Investir em treinamento: Diversas empresas do setor já oferecem cursos certificados em IBS, o que pode ser diferencial competitivo e garantia de qualidade para os clientes.
- Dialogar com clientes: Explicar, de forma simples e didática, as mudanças que o cliente enfrentará ainda é um diferencial e cria confiança na relação.
Concluímos que o cenário para contadores mudou e continuará mudando. O Imposto sobre Bens e Serviços impacta, e muito, a rotina das empresas e do setor contábil. Permanecer atualizado, atento e dedicado faz toda diferença para atravessar essa fase com segurança.
Cada ajuste, por menor que pareça, define o novo jeito de fazer contabilidade.




